Impacto dos rejeitos da Barragem de Fundão sobre as aves marinhas

Em 2015, a barragem de rejeitos de mineração de Fundão no sudeste do Brasil, rompeu, liberando um fluxo de lama tóxica para o meio ambiente. Esse evento, descrito como o maior desastre socioambiental do país, é ainda hoje atual, como demonstra uma equipe de pesquisadores e pesquisadoras franceses e brasileiros que acaba de publicar um estudo revelando que este desastre antrópico levou a uma rápida deterioração do habitat das aves marinhas.

Texto original IRD

Ao longo de seus 7.000 km de costa, o Brasil abriga uma enorme diversidade de aves marinhas, especialmente nas ilhas oceânicas que são locais de reprodução, como o arquipélago dos Abrolhos, no limite entre a costa sudeste e nordeste do Brasil. Assim, quando a represa de Fundão rompeu, em novembro de 2015, também houve preocupação com as aves marinhas: apesar da distância, imagens de satélite obtidas na época do desastre mostraram que a lama havia entrado no oceano e alcançado as áreas de alimentação desses animais.

Rabo-de-palha-de-bico-vermelho (Phaethon aethereus), Abrolhos, Brasil – © Guilherme Tavares Nunes

Usando dados coletados nos últimos 15 anos, pesquisadores procuraram entender o impacto do rompimento da barragem de Fundão sobre o comportamento, a saúde, a reprodução, a distribuição, e a alimentação das aves. “Uma das hipóteses era que as aves teriam mudado de lugar por causa da poluição”, explica Sophie Bertrand, co-autora do artigo, “mas observamos que elas seguem utilizando os mesmos locais de alimentação que antes do desastre. Ainda, o colapso da barragem não causou a morte em massa de indivíduos adultos, mas as aves se contaminaram por permanecerem no mesmo lugar”, continua ela. Isto é o que os ecólogos chamam de armadilha ecológica: permanecendo em um ambiente poluído, sem se dar conta disso, as aves são atingidas pela poluição.

Contudo, as aves marinhas são espécies guarda-chuva: situadas no topo da cadeia trófica, elas  nos informam sobre o estado de todo o ecossistema. “Quando vemos os níveis de contaminação por Chumbo, Mercúrio, Ferro e outros metais não essenciais às aves, é possível deduzir que o meio ambiente está poluído para todos os seres que ali vivem, inclusive os humanos”, enfatiza Guilherme Tavares Nunes, primeiro autor do artigo, lembrando o impacto social do desastre. Também é importante considerar que enquanto os efeitos imediatos – perdas humanas e materiais, mortes de animais, etc. – foram terríveis, as consequências do rompimento de Fundão devem ser observadas também em longo prazo.

Sula leucogaster, Abrolhos, estudo no âmbito do projeto JEAI Tabasco – © Guilherme Tavares Nunes

Monitorar as espécies, uma ferramenta indispensável

Quais serão os efeitos a longo prazo sobre as populações de aves? Pela literatura, os pesquisadores sabem que alguns desses metais causam problemas no fígado, nos rins e outros órgãos. “Os metais mencionados podem causar problemas, por exemplo, para a formação das cascas dos ovos, tornando-as menos resistentes e mais suscetíveis à quebra. Caso isso ocorra em Abrolhos, seria uma catástrofe em nível populacional”, adverte Guilherme.

Mas conhecer especificamente as consequências dessa poluição significa separar os efeitos das causas, pois os rejeitos de mineração de Fundão não é a única ameaça enfrentada pelas aves marinhas: a mudança climática, outras fontes de poluição e atividades antrópicas no oceano também devem ser consideradas, e é por isso que é essencial manter as operações de monitoramento. “Neste caso, tivemos sorte de ter dados antes e depois da ruptura da barragem. Sem isso, teria sido mais difícil mensurar o impacto dos rejeitos da barragem”, ressalta Guilherme. Quando realizadas ao longo de várias décadas, essas operações de custo moderado fornecem informações valiosas sobre a ecologia das aves marinhas, a partir das quais será possível integrar novas disciplinas e métodos de trabalho a fim de criar ferramentas de tomada de decisão e permitir o gerenciamento sustentável das áreas marinhas.

Sobre o projeto

O estudo foi apoiado pela Jovem Equipe Associada ao IRD (JEAI) Tabasco, um dispositivo de pesquisa que visa contribuir para o desenvolvimento do conhecimento sobre aves marinhas no Brasil para ajudar na sua conservação. O projeto tem a vantagem de reunir pesquisadores da França e de diferentes partes do Brasil sob o mesmo objetivo, e de participar do reforço das capacidades.

A JEAI reúne o IRD, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Universidade Federal do Rio Grande (FURG), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Federal de Alagoas (UFAL) em torno dessa questão.

Publicação

“Ecological trap for seabirds due to the contamination caused by the Fundão dam collapse, Brazil”, in Science of the Total Environment

Armadilha ecológica para aves marinhas devido à contaminação causada pelo colapso da barragem do Fundão, Brasil

Guilherme Tavares Nunes, Márcio Amorim Efeb, Cindy Tavares Barreto, Juliana Vallim Gaiotto, Aline Barbosa Silva, Fiorella Vilela, Amédée Roy, Sophie Bertrand, Patrícia Gomes Costa, Adalto Bianchini, Leandro Bugoni