Rio Formoso, Mata Sul de Pernambuco: Cultura, artes e engenho

 

O município de Rio Formoso, Mata Sul de Pernambuco, possui bastante história e cultura, principalmente na pesca artesanal. Os pescadores locais confeccionam suas próprias embarcações e instrumentos de trabalho e as mulheres pescadoras são a maioria na mariscagem da região. Além disso, tem forte influência da comunidade quilombola do Engenho Siqueira na atividade da pesca e na cultura rioformosense. Esses saberes tradicionais da terra dos manguezais são passados de geração para geração de forma oral e por isso corre o risco de serem esquecidos se não forem registrados em outros meios ou repassados entre os mais jovens.

Artes de pesca em Rio Formoso

Artes de pesca são as técnicas usadas pelos pescadores artesanais. Em Rio Formoso, é comum os pescadores produzirem seus próprios equipamentos: na captura de peixes, podemos encontrar materiais como as redes de caceia (ou de espera), camboa e arrasto, tarrafa, linha de mão e trêsmalho.

Na mariscagem, além da coleta manual, usam diferentes tipos de foice e outras ferramentas como balaio, jereré (também conhecido como puçá, uma rede em formato cônico) para a pesca de camarão de água doce e de siris (com a adição da varinha), pás, gancho, espeto, machadinha, enxada, colher e samburá (cesto de cipó ou taquara) para captura de mariscos, sururus, ostras e outros moluscos. Existe ainda a prática de pesca subaquática com arpões artesanais.

 

Mulheres na pesca artesanal

Assim como em outros cantos da região, as mulheres em Rio Formoso têm uma participação ativa e expressiva na pesca artesanal, principalmente na mariscagem, atividade exercida majoritariamente por elas (90%). Ainda assim, a área da pesca é ainda um território dominado por homens. A pescadora e o seu pescado são desvalorizados e deixados em segundo plano em vários aspectos, como nas políticas públicas e na própria comercialização do produto. Além disso, enfrentam problemas de saúde feminina pelo tempo que passam com parte do corpo submerso no manguezal e, assim como a realidade de muitas mulheres no centro urbano, encontram também os problemas da dupla jornada de administrar trabalho, casa e família.

Pescadoras artesanais de Rio Formoso. Foto: Moacir Correia

Na cartilha “Gênero e Pesca Artesanal”, a pesquisadora Maria do Rosário mapeou as principais dificuldades encontradas pelas mulheres pescadoras: a falta de equipamentos e de produtos, as más condições de trabalho, as variações entre inverno e verão, a poluição ambiental, os riscos relacionados à saúde que afetam a atividade, inclusive riscos de morte, decorrentes deste trabalho; a dupla jornada de trabalho (doméstico, da pesca e às vezes de outras atividades complementares); a presença significativa de mulheres chefe de família, ficando com elas a responsabilidade de criação e sustento dos filhos; as dificuldades relacionadas ao acesso ao Registro Geral da Pesca, a receberem os seguros, a se aposentarem. São dificuldades sempre relacionadas a saúde, família, alimentação e políticas públicas.

Engenho Siqueira – Comunidade quilombola de Rio Formoso

Museu Quilombola do Engenho Siqueira. Foto: Reprodução/Museu Quilombola, facebook: moacir.correia.129

A comunidade Engenho Siqueira fica localizada na zona rural de Rio Formoso e foi a primeira a ser reconhecida como quilombola na região da Zona da Mata Sul de Pernambuco pela Fundação Cultural Palmares em 2005. De acordo com a pesquisa “Comunidade quilombola do Engenho Siqueira: Uma contribuição da extensão rural agroecológica para o desenvolvimento local”, existem cerca de 80 famílias, 440 habitantes e 60% são mulheres.

A tradição e a troca de saberes entre as gerações é bastante presente entre os quilombolas de Siqueira, que crescem em uma relação próxima ao manguezal.

Desde a infância, as mulheres aprendem com as marisqueiras sobre a pesca de moluscos e crustáceos e os homens se iniciam na pesca de peixes nos rios e no mar. O conhecimento é compartilhado entre os familiares ou pessoas de convívio próximo dentro da comunidade.

Foto: Acervo Engenho Siqueira, facebook: @Comunidadequilombolaengenhosiqueira

Sobre sua origem, existem três versões desenvolvidas pelos moradores mais antigos do Engenho Siqueira: por ser uma zona portuária, a primeira versão aponta que muitos negros africanos escravizados que embarcavam no local conseguiam fugir e se refugiar no interior da mata atlantica, aproveitando para viver no local e criar seus descendentes; a segunda versão diz que a comunidade Siqueira foi formada pelos descentes do tio de Zumbi, Ganga Zumba durante sua passagem na região; a terceira versão trata sobre a cultura diferente que a comunidade tem em relação aos outros lugares do município e conta que, em uma das pesquisas desenvolvidas pela Petrobras, um historiador angolano perguntou ao então  presidente da associação da comunidade, Claúdio Pajeú, se ele conhecia o “fungi”. Com a resposta positiva, o pesquisador concluiu que com certeza a comunidade era quilombola, pois esse alimento faz parte da culinária típica da Angola. O modo de preparo desse prato é um conhecimento ancestral passado de geração para geração.

 

Jovens na Pesca

A tradição e os saberes da pesca artesanal em Rio Formoso são passados de geração para geração. Ainda assim, na pesquisa “Mulheres pescadoras: gênero e identidade, saber e geração”, mais da metade das jovens pescadoras (entre 15 e 29 anos) acreditam que não é necessário repassar os ensinamentos de pesca para os mais novos, diferente das mulheres mais velhas. A perspectiva da atividade pesqueira como um recurso difícil de manter, a queda no pescado, a falta de incentivos e de políticas públicas podem ser fatores determinantes que dificultam a transmissão desse conhecimento.

Anthony Queiroz da Silva e Lucas Andrey da Silva. Jovens na pesca de Rio Formoso/PE. Foto:@karlalbuq 

Além desse déficit na perpetuação cultural, o município de Rio Formoso registrou durante esse período de pandemia um aumento no retorno de alguns antigos profissionais de pesca. A equipe de comunicação do projeto de extensão do Tapioca entrevistou o pescador Rosinaldo José, que trabalha desde os 4 anos de idade, e hoje, aos 28 anos, citou algumas mudanças que o ambiente apresentou nesses tempos: a expansão urbana nos municípios desenvolveu diversos impactos irreversíveis ao meio ambiente, como a baixa reprodução de alguns peixes (Eugerres brasilianus e Epinephelus itajara) no ecossistema marinho e que nos últimos tempos, o retorno de antigos pescadores ao mercado de pesca cresceu bastante em detrimento a pandemia provocada pelo Covid-19.